Desde cedo que se revelou preocupada com o meio ambiente, quer enquanto escuteira, quer como bióloga marinha. No entanto, quando deparou com uma tartaruga com uma palhinha de plástico no nariz, sentiu que deveria fazer alguma coisa para mudar as atitudes humanas face ao plástico. Assim, nasceu a Straw Patrol, uma campanha de sensibilização que visa alertar as pessoas para o lixo existente nos oceanos. Sobretudo, os plásticos descartáveis, como as palhinhas. Nesta entrevista, Carla Lourenço dá-nos a conhecer melhor o projeto e as iniciativas que tem vindo a realizar junto do público jovem - iniciativas que podem ser cruciais para mudar o mundo.
Como e quando surgiu o projeto Straw Patrol?
A Straw Patrol surgiu no verão de 2015, mas só se materializou em janeiro de 2016. Já havia uma preocupação ambiental muito grande da minha parte, principalmente, por toda a vivência escutista e, depois, sendo eu bióloga marinha, maior se tornou essa preocupação. Nesse verão tornou-se viral o vídeo de uma tartaruga, recolhida ao largo da Costa Rica, que tinha uma palhinha no nariz. Essa foi a gota de água. Aí, tive a certeza que tinha de fazer algo e que o conhecimento que tinha adquirido durante o curso seria usado para ajudar a deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrei.
Que tipo de iniciativas têm sido desenvolvidas ao longo do projeto?
As nossas ações focam-se em três pilares principais: educar, reduzir e proteger. Assim, as ações dividem-se entre palestras (em escolas, eventos, tertúlias, cafés…), limpeza (de praia, rio, ria) e sensibilização junto de estabelecimentos de restauração para que adotem práticas mais amigas do ambiente, nomeadamente, a não usarem palhinhas de plástico.
De que forma é que chega a sensibilização aos mais jovens?
A sensibilização chega através de palestras nas escolas e através da nossa conta de Facebook, com o material que preparamos e divulgamos, tendo por base notícias, estudos e relatórios científicos. Acreditamos que é muito importante fazer chegar a ciência às pessoas, principalmente aos mais jovens. Mudar o futuro dos oceanos depende de todos e é fundamental que as pessoas estejam devidamente informadas.
Ao longo do projeto têm sido desenvolvidas várias iniciativas como é exemplo a limpeza nas praias. Na sua opinião, as pessoas têm alguma consciência da quantidade de lixo que existe nas praias?
Temos notado um crescente interesse por parte das pessoas relativamente ao tema do lixo marinho. Envolvem-se mais nas ações que são divulgadas e, cada vez mais, são criados novos grupos focados em ajudar a preservar os oceanos. Por isso mesmo, acredito que cada vez mais as pessoas têm consciência da situação alarmante em que os oceanos estão. Infelizmente, na maior parte das vezes, essa consciência não se traduz, na prática, em tomadas de decisões mais amigas dos oceanos ou na adoção de escolhas mais sustentáveis.
Qual é o lixo que é mais recolhido? Está associado mais à atividade pesqueira ou à atividade humana (restauração, doméstico, etc)?
Qualquer que seja o local, o lixo mais recolhido é plástico, nas suas mais diversas variantes e combinações. Desde o plástico reutilizável ao não reutilizável; do que é usado várias vezes ao plástico descartável. A estimativa é de que 80% do lixo marinho seja plástico e que 50% desse seja plástico descartável. Mas encontramos também muitos outros materiais como papel, madeira, metais e outros.
Dependendo da região/zona do país e do local (dentro da região), é possível ver grandes diferenças relativamente à origem do lixo marinho. E nós vemos precisamente isso. Quando fazemos limpezas em praias claramente turísticas, encontramos muito lixo associado ao uso das praias e à restauração, maioritariamente beatas de cigarro, garrafas de plástico, palhinhas e embalagens de alimentos. Quando atuamos em sistemas mais lagunares, como é o caso da Ria Formosa, a maior parte do lixo está associado à atividade pesqueira, como são exemplos as redes, cordas e armadilhas. No entanto, nos dois tipos de locais, encontramos os dois tipos de lixo, a abundância de cada tipo é que difere. O mesmo acontece quando comparamos o Algarve com a costa Oeste. Assim que se vira Sagres, é muito comum encontrar centenas e centenas de cotonetes nas praias, mas na costa virada a sul isso já não acontece tanto. Da mesma forma, em estuários ou zonas de ria, é muito comum encontrar pacotes de sal, associados à mariscagem e que são muito menos frequentes em praias turísticas.
“Qualquer que seja o local, o lixo mais recolhido é plástico, nas suas mais diversas variantes e combinações.”
Do seu ponto de vista e em comparação a outros países, qual é a situação de Portugal quanto ao lixo marinho?
Apesar de reconhecer que Portugal não está numa situação tão crítica como outros países como a Índia, a Indonésia, o Brasil e os EUA (no arquipélago do Hawaii), é importante reforçar que temos ainda muito trabalho pela frente e poderíamos estar muito, muito melhor! O nosso continente pode não estar localizado muito próximo dos giros oceânicos que tendem a acumular grandes quantidades de plástico, mas temos os Açores praticamente no meio do Oceano Atlântico Norte. Também eles, já estão a ser fustigados com enormes quantidades de lixo marinho que chegam dos mais diversos países e ali se acumulam. A praia de Porto Pim é um claro exemplo do que é uma praia coberta de microplásticos. Quem a vê em fotos nem acredita que aquela é uma praia Portuguesa.
“(…) temos os Açores praticamente no meio do Oceano Atlântico Norte. Também eles, já estão a ser fustigados com enormes quantidades de lixo marinho”
Quais são os maiores desafios da Straw Patrol? Existe algum apoio político?
O maior desafio é realmente a falta de tempo e disponibilidade, porque fazemos tudo isto a par com doutoramentos, bolsas de investigação e gestão ou trabalhos com horários bastante exigentes. Não existe propriamente um apoio político, apesar de nos termos já associado a algumas autarquias como é o caso da Câmara Municipal de Sines, de Castro Marim, de Tavira e de Almada. Colaborámos, no entanto, com o PAN do Algarve. Quando nos procuraram foi para tentar perceber quais os impactos humanos na Ria Formosa e qual é que seria a melhor estratégia para mitigar esses impactos. De realçar é o importante apoio e colaboração que temos tido da parte de diversas entidades focadas na disseminação científica e na proteção dos ecossistemas aquáticos, como é o caso dos Centros Ciência Viva de Tavira e do Algarve, a Agência Portuguesa do Ambiente, o NEBUA (Núcleo de Estudantes de Biologia da Universidade do Algarve), entre outros.
O que é preciso acontecer para que sintam que a missão da Straw Patrol está cumprida em definitivo?
No fundo, a nossa missão cumpre-se cada vez que acabamos uma palestra e vemos as crianças a quererem mudar o futuro dos oceanos; a quererem ir imediatamente connosco para uma praia apanhar lixo; e a irem para casa dizer aos pais que não querem mais usar palhinhas. A nossa missão cumpre-se quando recebemos mensagens onde nos contam todas as mudanças que já foram feitas por influência nossa. Se conseguirmos que uma pessoa desperte para este grande problema - que é o lixo marinho - de cada vez que falamos, a missão cumpre-se. Não conseguiremos mudar a mentalidade de todas as pessoas, não conseguiremos mudar os hábitos que estão tão enraizados – se é isso a missão cumprida em definitivo - , mas acreditamos que as pequenas ações ajudam a mudar o mundo e que o efeito multiplicador acontece de cada vez que falamos. E continuamos a ensinar, a falar sobre o problema, porque acreditamos realmente que “no final, só protegemos o que amamos, só amamos o que compreendemos e só compreendemos o que nos é ensinado”, como disse Baba Dioum.
“Acreditamos que as pequenas ações ajudam a mudar o mundo e que o efeito multiplicador acontece de cada vez que falamos”
A Straw Patrol conta já com muitos voluntários. Como é que as pessoas que ainda não são voluntárias se podem juntar ao projeto?
Para se juntarem a nós o melhor mesmo é estarem atentos à nossa página de Facebook e seguirem o nosso trabalho. Como temos dois núcleos ativos - um no Algarve e outro na Caparica - facilmente encontrarão uma limpeza para participarem. E, se quiserem estar ainda mais por dentro da Straw Patrol, ajudando a organizar as limpezas ou indo a escolas para dar palestras, podem sempre enviar-nos mensagem no Facebook ou enviar email para strawpatrol@gmail.com.
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