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Ana Milhazes: "Esta filosofia do usar e deitar fora tem que acabar"

Atualizado: 28 de ago. de 2018

Desde pequena que se sente incomodada com a quantidade de lixo à sua volta e, desde pequena, que se esforça por mudar o mundo. Hoje, mais crescida, mas com a mesma ambição, Ana procura reduzir drasticamente a quantidade de lixo que produz.

Inspirada pelo blog de Bea Johnson “Zero Waste Home", encontrou algumas dificuldades neste processo, em Portugal - sobretudo, devido à escassez de informação. Para a combater, criou o grupo de Facebook "Lixo Zero Portugal" com o intuito de encontrar mais pessoas na sua situação. Hoje, o grupo conta com mais de 12 450 pessoas que lutam, em comunidade, por um mundo com menos lixo.

Nesta entrevista, podes conhecer um pouco melhor este Movimento e as suas iniciativas, compreender a filosofia do "Lixo Zero", enquadrar o desperdício de plástico nesta realidade e, ainda, aceder a dicas preciosas da Embaixadora do Movimento Lixo Zero Portugal, para nos aproximarmos da meta pretendida. Vais quer perder?


Ana Milhazes Martins, Embaixadora do Movimento Lixo Zero Portugal. Fonte: DR.

Recentemente, as causas ambientais têm ganho visibilidade na esfera mediática. Recorda-se de um momento particular que a fez olhar para estas questões, de uma forma mais séria e ativa?

Lembro-me de ter cerca de 7/8 anos e de me incomodar a quantidade de lixo que encontrava, no jardim do meu prédio, onde brincava. Já na altura decidi que tinha que fazer alguma coisa, então pedia aos vizinhos para me ajudarem a apanhar o lixo.


É Embaixadora do Movimento Lixo Zero Portugal. Conte-nos um pouco do processo que culminou na criação deste Movimento.

Tudo começou no início de 2016, quando decidi que queria reduzir a quantidade de lixo que produzia. Sempre me preocupei bastante com as questões ambientais e era grande adepta da reciclagem, mas comecei a pensar que a reciclagem não poderia ser a única solução. Melhor seria se nem sequer fossem gastos recursos para a reciclagem. Nas minhas pesquisas, encontrei o blog de Bea Johnson “Zero Waste Home”. Percebi que ela tinha um livro com o mesmo nome (na altura ainda não existia a edição portuguesa) e comprei a edição original, em formato digital. Identifiquei-me totalmente com tudo o que a Bea escrevia (ela era também uma adepta do minimalismo, como eu) e pensei:“eu consigo fazer isto, vou aceitar o desafio e tentar reduzir ao máximo o lixo que faço”. Neste processo, deparei-me com algumas dificuldades. Na altura havia muito pouca informação sobre o assunto em português e não sabia em que lojas poderia comprar produtos a granel. Lembrei-me de criar o grupo de Facebook Lixo Zero Portugal para perceber se havia mais pessoas na mesma situação. O grupo foi crescendo e o interesse da população em geral por estes temas também, o que é muito bom.


"Lembrei-me de criar o grupo de Facebook Lixo Zero Portugal para perceber se havia mais pessoas na mesma situação." Fonte: DR.

Para os leitores do Plasticida, em que consiste um estilo de vida desperdício zero?

A meta é o desperdício zero, ou seja, não produzir qualquer tipo de lixo. No entanto, sabemos que isso não é possível, dada a nossa condição humana. Tentamos seguir uma política de 5 Rs que passam por: 1.º Recusar tudo aquilo que não necessitamos (podem ser amostras, brindes, o presente daquela tia que detestamos, uma peça de roupa…); 2º Reduzir aquilo que necessitamos (a água por exemplo); 3º Reutilizar (aquilo que não conseguimos nem recusar, nem reduzir. Pode ser um saco, um frasco de vidro, pode ser usar roupa em 2ª mão. No fundo prolongar a vida útil dos objectos); 4º Reciclar (quando já não conseguirmos aplicar nenhum dos 3 Rs anteriores, aí sim, separamos devidamente e colocamos no ecoponto); 5º Rot (compostagem, ou seja, aproveitar os nossos restos alimentares e fazer compostagem ou entregar a quem faça, para que esta matéria orgânica seja utilizada em vez de ir parar a um aterro). Depois de seguir estes 5 Rs vemos o que sobra. Esse lixo que sobra poderá ser colocado num frasco, para que tenhamos consciência do lixo que ainda produzimos.

"(...) Pensei “eu consigo fazer isto, vou aceitar o desafio e tentar reduzir ao máximo o lixo que faço.”

De todas as atividades desenvolvidas – partilha de dicas sustentáveis, eventos, palestras e workshops – quais as que acredita surtirem maior efeito junto das pessoas?

Acho que todas elas são diferentes e se complementam. As redes sociais são óptimas para chegar a mais gente, e são também uma excelente forma de nos irmos familiarizando com conteúdo novo. Se há um ano atrás pouco se falava de lixo e de plástico, hoje em dia, quase todos os dias, há informação nova sobre o assunto e a mesma é publicada por cada vez mais pessoas diferentes. Os workshops são óptimos para quem já está realmente bastante interessado no assunto, e quer ir um pouco mais longe. Adoro conhecer pessoas e receber o carinho de quem está do outro lado. É assim que tenho o feedback do trabalho que estou a fazer.

Penso que o importante é chegar às pessoas. Eventualmente, a semente plantada irá dar frutos, mais cedo ou mais tarde. Chegamos a um ponto em que todos já percebemos que temos mesmo que fazer alguma coisa pelo nosso planeta e por nós mesmos.


"Penso que o importante é chegar às pessoas." Fonte: DR.

Como sabemos, julho é o mês de sensibilização para uma vida sem plástico (descartável). Qual a importância da redução do plástico neste estilo de vida advogado pelo Movimento?

No estilo de vida Desperdício Zero recusamos qualquer tipo de descartável, ou seja, objectos de uso único. Advogamos sim, a utilização de objectos reutilizáveis. Nesse sentido, aproveito sempre este mês para partilhar dicas, diariamente, sobre aquilo que faço para evitar o uso de plástico descartável, e qual a respectiva alternativa reutilizável. Este tipo de desafios é bastante importante, pois pode funcionar como um "abrir de olhos". Com a correria do dia-a-dia, nem nos apercebemos da quantidade de plástico que usamos e do que o plástico está a fazer às nossas vidas. O plástico está mesmo em todo o lado! É necessário parar para pensar. Da próxima vez que formos ao supermercado, vamos procurar um produto sem embalagem ou que esteja o menos embalado possível. Enquanto consumidores, somos nós que escolhemos aquilo que compramos. E quando escolhemos algo com 3 embalagens de plástico, estamos a dizer às marcas que está óptimo assim; que concordamos e que deverão continuar a fazer dessa forma.


Do lixo recolhido – nas praias, ruas, jardins – consegue estimar a proporção de plástico descartável encontrado?

O segundo item mais encontrado nas praias é o cotonete. Numa zona de Vila Nova de Gaia, onde costumo apanhar lixo, apanhamos cerca de 1000 cotonetes, por hora! É de facto assustador! Também encontramos imensas garrafas de água de plástico, tampas de garrafas e palhinhas. Os descartáveis estão, de facto, no top 10 do lixo encontrado. Como são geralmente itens muito leves, facilmente voam e acabam no mar.


"Numa zona de Vila Nova de Gaia, onde costumo apanhar lixo, apanhamos cerca de 1000 cotonetes por hora!"

Numa entrevista à TSF, disse que “ter a palavra ‘não’ na ponta da língua é o mais importante”, no que toca à tomada de decisões sustentáveis. No entanto, estará consciente da resistência à mudança - fruto de uma acomodação típica do ser humano. Tem encontrado esta oposição crítica nas pessoas com quem tem tido contacto?

Acho que sou uma sortuda! Não tenho encontrado muito. É difícil nos lembrarmos e estarmos conscientes da necessidade de recusar tudo aquilo que não precisamos. Mas a partir do momento em que digo e explico, os outros compreendem. Poderá ter acontecido uma ou outra situação menos feliz mas, de uma forma geral, quando explico as minhas razões, as pessoas compreendem. Penso que o mais difícil é que todos comecem a fazer o mesmo, e a dizer mais vezes “Não”. Vivemos numa sociedade extremamente consumista e sem tempo. Queremos ter tudo porque achamos que nos vai fazer falta, e quando não queremos, nem temos tempo de dizer que não - é muito mais rápido, simplesmente, aceitar.


Nessa mesma entrevista, destacou a iniciativa que realizou em parceria com o Movimento Não Lixes, no âmbito das peregrinações a Fátima, em Maio. Pode elucidar os seguidores do Plasticida sobre esta experiência? Foi recolhida uma grande quantidade de plástico descartável?

Esta iniciativa aconteceu no início de Maio. Já no ano passado, o movimento “Não Lixes” tinha organizado uma campanha para alertar para a quantidade de lixo produzido pelos peregrinos. Isto foi feito através da colocação de cartazes que indicavam a necessidade de colocar o lixo, nos respectivos contentores. Este ano, o objectivo era fazer algo maior. Fui convidada para fazer parte e, juntos, resolvemos fazer uma parte do percurso, no sentido contrário aos peregrinos. À medida que íamos fazendo a caminhada, íamos apanhando o lixo encontrado (sobretudo garrafas de água de plástico) e íamos falando com eles, explicando a importância de colocar o lixo nos contentores. Muitas vezes nem precisávamos de dizer nada, pois a nossa atitude dizia tudo. Fomos bastante aplaudidos e muitos peregrinos diziam-nos que não iriam atirar mais lixo, até ao final do percurso.

Encontramos 753 garrafas de água de plástico ao longo de 44 km (sendo que repetimos o mesmo percurso nos 2 dias)! Dada a quantidade de contentores de lixo espalhados pelo caminho, este número foi mesmo gigante!


"Fomos bastante aplaudidos e muitos peregrinos diziam-nos que não iriam atirar mais lixo, até ao final do percurso." Fonte: DR.

Para além do Movimento Não Lixes, que outras parcerias foram/serão efetuadas na luta contra o desperdício de lixo em Portugal?

Já fiz algumas. Destaco uma que estou a fazer com o projecto Plastic Sundays - movimento de limpeza de praias, no âmbito do campeonato de surf. O projecto Plastic Sundays ficou responsável, este ano, pela limpeza das praias que estão a receber as várias etapas do campeonato. Para além das limpezas de praia que são feitas, num dos dias, com crianças de escolas locais e de ATL’s e, no outro, abertas ao público, fazemos também pequenas acções de sensibilização, em que alertamos para os problemas do plástico no oceano e para a necessidade de implementarmos mudanças já. Nesse sentido, eu levo o meu kit Desperdício Zero e partilho com as crianças aquilo que faço no meu dia-a-dia, e que me permite não produzir lixo.


Que papel tiveram as redes sociais para a divulgação, em particular, do Movimento Lixo Zero Portugal?

Tiveram um papel muito importante, pois é através das redes sociais que consigo chegar a mais gente. No entanto, é para mim, uma luta constante, pois sei bem a importância de estarmos desconectados. Tento encontrar um equilíbrio, uma vez que é muito importante partilhar aquilo que faço, no meu dia-a-dia, para poder inspirar outras pessoas.


"(...) Fazemos também pequenas acções de sensibilização, em que alertamos para os problemas do plástico no oceano e para a necessidade de implementarmos mudanças já."

Que pequenos (grandes) comportamentos simples podemos adotar, diariamente, para reduzir a nossa pegada ecológica?

Acima de tudo, recusar os descartáveis. Esta filosofia do usar e deitar fora tem que acabar. Estamos mesmo a destruir o nosso planeta. Temos que dizer mais vezes “Não” e voltar a encontrar o contacto com a natureza. Tenho a certeza que, a partir do momento em que nos conectarmos mais com ela, não a iremos destruir.


"Temos que dizer mais vezes “Não” e voltar a encontrar o contacto com a natureza." Fonte: Pexels

Qual a principal ambição do Movimento Lixo Zero Portugal?

Que todos os portugueses se juntem ao movimento e que o desperdício zero faça parte do dia-a-dia de todos; que se volte a praticar um pouco do que se fazia antigamente (não havia descartáveis e havia muito pouco plástico); mas, agora, com mais ambição e com vontade de mudar realmente o mundo.


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